...{ POESIA PARA OS DIAS TRISTES E PARA OS DIAS FELIZES }... "Recolho-me num casulo, quando quero pensar em ti, em mim, no mundo. E levo comigo as coisas que me fazem feliz."

segunda-feira, junho 20, 2005

O limiar e as janelas fechadas

O que é certo é que gostei de ti.
O resto não: se exististe,
E se assim foi, qual a cor dos olhos, ora verdes
Ora cinzentos, deles levantou-se uma vez
Um bando de andorinhas. Quais. As rápidas,
As que não andam, as que se amam no ar.
Como foi. Ficaste doente
Ou coisa assim, levaram-te, muito se passou,
Acho que ia ter outro filho e esqueci-me de ti
Ate ouvir-te, esta noite, a horas impossíveis,
Vem comigo, é tempo. Larga tudo e sai,
Espero por ti ao pé da cancela.
Mas cheguei lá e o trinco
Estava solto, batia ao vento
Contra o poste, fechei-o, voltei para trás,
A pensar em ti, que estiveste lá,
Sabe-o Deus, que abriste a cancela,
que gostei de ti e também
que a porta não encaixava bem.

[Eva Gerlach,
in Alguns Poemas,
Quetzal Editores]

domingo, junho 19, 2005

# _delicate_Damien Rice

Letra de música
Álbum B-Sides [EP] (2004)

We might kiss when we are alone
When nobody's watching
We might take it home
We might make out when nobody's there
It's not that we're scared
It's just that it's delicate

So why do you fill my sorrow
With the words you've borrowed
From the only place you've know
And why do you sing Hallelujah
If it means nothing to you
Why do you sing with me at all?

We might live like never before
When there's nothing to give
Well how can we ask for more
We might make love in some sacred place
The look on your face is delicate

So why do you fill my sorrow
With the words you've borrowed
From the only place you've know
And why do you sing Hallelujah
If it means nothing to you
Why do you sing with me at all?

quinta-feira, junho 09, 2005

Dúvida

Serei eu quem te vai acordar?
Acorda! Desperta!
Será que és capaz de amar?

Serei eu quem te vai ajudar a ver?
Chora! Grita!
Sabes que em mim,
Tudo o que dói,
Podes econder.

Serei eu quem te vai abraçar?
Sorri! Beija!
Serás capaz de confessar?

Serei eu quem te vai adormecer?
Schssss! Dorme!
A dúvida que deixas em mim,
Marca, sim!
Mas um dia deixará de doer.

Daniela Costa

quarta-feira, junho 08, 2005

Da secreta fusão

Passemos, tu e eu, devagarinho,
Sem ruído, sem quase movimento,
Tão mansos que a poeira do caminho
A pisemos sem dor e sem tormento.


Que os nossos corações, num torvelinho
De folhas arrastadas pelo vento,
Saibam beber o precioso vinho,
A rara embriaguez deste momento.


E se a tarde vier, deixá-la vir...
E se a noite quiser, pode cobrir
Triunfalmente o céu de nuvens calmas...


De costas para o Sol, então veremos
Fundir-se as duas sombras que tivemos
Numa só sombra, como as nossas almas.


Reinaldo Ferreira

[Estas palavras transmitem os nossos pensamentos
ou servem apenas para nos seduzir?...
Em ambos os casos, o que importa
é que quando as lemos, nesse momento,
estamos a sentir... a sentir...]


terça-feira, junho 07, 2005

Engodo

A poesia não pode tratar de mim,
nem eu da poesia.
Estou só, o poema está só,
o resto é dos vermes.
Estava à beira da rua onde moram as palavras,
livros, cartas, notícias,
e esperava.
Sempre esperei.

As palavras, em formas claras ou escuras,
transformaram-se em alguém escuro ou mais claro.
Poemas passavam por mim
e reconheciam-se como coisa.
Via-o e via-me.

Esta escravidão não tem fim.
Esquadrões de poemas procuram os seus poetas.
Vão errando sem comando pelo grande distrito das palavras
e esperam o engodo da sua forma
feita, perfeita, fechada,
concentrada e

intangível.


[ Poema escrito em 1933, por Cees Nooteboom,
in Uma Migalha na Saia do Universo:
Antologia da Poesia Neerlandesa do Século Vinte
,
Assírio & Alvim ]

# 3 | you are welcome to elsinore {Mário Cesariny]

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras noturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar